quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Crítica | Cinema Femme Fatal» (2002) Brian De Palma

Neste filme de Brian De Palma sabemos que existe, desde logo, uma femme fatale. O título indica-nos, é certo, todavia, é a linguagem meta-thriller quem se encarrega desta tarefa, e logo na primeira sequência do filme. Vemos uma actriz, que já sabemos que será a personagem principal fruto da publicidade da capa do respectivo DVD, a visionar o filme Double Indemnity (1944), cuja personagem principal interpretada por Barbara Stanwyck é uma femme fatale. Com este dado não será difícil chegar à conclusão de que a actriz perfilha o trilho fatalista. Adopta, então, não só a característica de mulher-fatal, como também o seu conceito adjacente de noir. Os ambientes estão repletos de subtis dicas visuais que têm o dom de nos fazer equivocar na tentativa de quem é ali o quê. De Palma é traiçoeiro como se fosse ele um homme fatale.



A mulher fatal, essa, é Rebecca Romijn, que a interpreta de um modo admirável. Admirável por ser à altura do filme uma quase desconhecida actriz e por isso uma feliz aposta e uma agradável surpresa. Admirável também por não ser todos os dias que uma actriz tão incrivelmente bela representa este papel de múltiplos sentidos. A sua personagem é alguém que de repente se viu exposta ao mundo, e por isso aos seus inimigos - os cúmplices ludibriados aquando da cena do histórico roubo de diamantes, perpetuado por si, em pleno Festival de Veneza - por um fotográfo, personagem de Antonio Banderas - que é uma muito provável homenagem ao Blow Up (1966) de Antonioni. Personagem esta que o actor decidiu aceitar ainda que secundária. Mostra-nos um Banderas pouco aproveitado - ser-se secundário não é desculpa alguma, caindo a culpa por inteiro no realizador. No total da sua representação fica para registo uma interpretação pouco profunda, levemente versátil. Talvez a comunidade gay, fã do galã espanhol, se delicie, a dado momento, pela sua interpretação de uma personagem homossexual estereotipada.



De Palma é um homem que pensa muito nos pormenores dos seus filmes. A criatividade e a riqueza fílmica são características que se lhe louvam, renovadamente, neste filme. Consegue, de forma habilidosa, desorientar o espectador a todo o distante. As suas sequências neste filme faz-nos acreditarem numa hipótese, para logo a seguir virar essa mesma hipótese numa outra. Ele joga com o espectador ao mesmo tempo que brinca com a estética: ecrãs divididos, câmara lenta, harmonia entre luz e sombra. É sem dúvida em termos visuais um filme cheio. A música do reputado compositor japonês Ryuichi Sakamoto desenvolve toda esta relação promíscua entre os vários - ou será imensos? - elementos fílmicos, num cenário de enamoramento do realizador por uma Paris cheia de clichés: a Torre Eiffel, os seus cafés, o seu pão..



A homenagem à cidade luz é apenas mais uma. Porque as mais importates são as que são feitas a dois realizadores que ele tanto aprecia. Alfred Hitchcock, aqui, essencialmente por Vertigo (1958), e o seu Brian De Palma. Correcto, ele próprio. De Palma auto-homenageia-se através da revisitação a filmes seus: Blow Out/Explosão (1981); Testemunha De Um Crime (1984). Recorre, pois então, a temas fetiches que teimam em reaparecer, tais como: mulheres, erotismo, e suspense. O caso da cena de lesbianismo, aquando do referido roubo, é completamente gratuita, um autêntico acto de auto-satisfação pura e egoísta. Ele próprio se explica através de uma ligação-artéria que vem de uma explicação-veia postiça, absurda, que não lembra a ninguém a não ser em filmes de fantasia série C. O filme é todo ele um thriller de contornos fantasiosos. Pegando de novo, na lógica do argumento, ou melhor, na falta dela, é a acusação de carácter mais gravoso que este filme sofre. Sofre porque o filme não a admite. É portanto, um caso passível de ser considerado de embuste. Este filme irá dividir os espectadores. Os mais respeitosos da típica estrutura narrativa americana e dos seus códigos fílmicos sentir-se-hão, quase de certeza, enganados. Os mais favoráveis à exploração de novas regras - neste caso será mais a ausência delas - poderão ficar bem-dispostos ao assistirem a esta película.



O cinema é, tal como Grotowski definiu o seu teatro, um laboratório. Como tal, que se façam experiências, ainda que só se aproveite a sua estética, se for uma estética apurada. Que é o caso.

2 comentários:

Melissa Campello disse...

Volte sim, acho que nunca tive um texto meu lido por outro CONTINENTE... Obrigada :)
Gostei bastante das suas críticas, é um tremendamente trabalhoso escrevê-las, eu sei disso u-u
e as suas são perfeitas... na medida.

Untitled disse...

não vi o filme caro toy, mas fiquei curioso. A nossa conversa pseudo-intelectual ficou adiada para uma futura noite farense:)
abraço discípulo Grotowskyano
Bigu