terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Crítica | Cinema Asas Do Desejo (1987) Wim Wenders

Wim Wenders utiliza o poema de Peter Handke, Song of a Childhood, como alavanca para nos guiar numa reflexão profundíssima sobre o carácter humano. Numa cidade que foi semente/violada da/pela 2ª Guerra Mundial - onde material documental faz questão de nos relembrar - Berlim, berço do humanismo, serve agora de cenário de um re-humanismo. Necessário pelo duro reencontro do homem com a cidade do pós-guerra, e da consequente desintegração do povo alemão

Nos últimos anos da guerra fria, a celebração do ser humano é construída por um anjo, Damiel [Bruno Ganz]. Inadaptado na sua intemporalidade espiritual apaixona-se por uma trapezista, Marion [Solveig Dommertin], também ela inadaptada a uma cidade onde se sente estrangeira.

Damiel decide quebrar um muro que separa o espiritual do material. Que pode servir de catárse do desejo de quebra do muro de Berlim. Resolve experimentar os sentimentos, que através da leitura dos pensamentos que faz dos humanos têm um frio contacto. Torna-se humano para os experimentar a quente. Esta passagem para a vida terrena é acompanhada pela passagem para um mundo de cores - tal como nós espectadores - que saindo da sépia que fora a vida na perspectiva angelical, é assaltado pela vida colorida de todos os possíveis sentidos humanos.
O anjo, que é um não-nascido, nasce agora. É inocente. Tal como uma criança do poema de Peter Handke. Tal como o velho que se diz ser o narrador da humanidade, e que dela possui a inocência da infância. Damiel torna-se na personificação de um homem ideal à partida, virgem, como ``uma criança quando era criança´´, [primeiro verso do poema de Peter Handke] para este mundo que pode ser o apocalípso, como também ser o palco do amor.

A cena em que Nick Cave & The Bad Seed cantam From Her To Eternity é precisamente esta celebração do amor com que se pretende reconstruir Berlim. De Marion - From Her - ganhou o amor para a eternidade - To Eternity - não a que Damiel perdeu ao deixar de ser anjo para ser um mortal com certidão de óbito, mas a que ganhou ao ter o amor verdadeiro, aquele que jamais sofre a passagem inexorável do tempo.

A voz-off, tem neste filme de Wenders, uma pujança fílmica que lhe confere um alto ritmo de narração. Dá ao espectador, como bom paradigma de voz-off que é, a possibilidade de se experimentar como narrador, de se sentir por dentro do filme. E que por isso não lhe fica, por certo, indiferente a um dos mais belos filmes das últimas décadas do cinema europeu. Um filme épico. Um road movie nos céus de Berlim, e no espírito humano.

2 comentários:

Anónimo disse...

É realmente um dos filmes mais fantásticas e mais bonitos da história do cinema. Uma celebração à vida. E uma grande crítica! Força, Yan!

Benny

Unknown disse...

Bem, sou escritora, então me desculpe se soou menos técnica e mais descritiva ou sentimental....rsrsrsrsr
Gosto de como os personagens refletem sobre seus costumes e suas atititudes, como os anjos gostam de conhecer o interior de cada indivíduo.
Vejo que tem muita inspiração para escrever e gosta do que faz, adorei a forma como escreve. Percebe-se que tem conhecimento de causa.
Eu achei o filme tão existencial e visceral acho que Sartre iria gostar desse filme......rsrssrrs. É tão poético e bonito.
Eu achei que Marion não é a mais bonita, mas é a mais interessante. E a menos vestida, é claro.......rsrrrsrsrsrrs
Quando Damiel faz a mudança para humano ele fica tão vislumbrado que chega a ser piegas, mas até isso deixa o filme mais bonito.
Sabe qual a maior diferença que eu vi entre Asas do Desejo e CIdade dos Anjos? Foi notar como as pessoas em Asas do Desejo eram tão mais interessantes.....rsrsrsrs
Quando eu era superficial achava Cidade dos Anjos tão lindo...rsrsrsrsrs
Não consegui assistir até o final.